Ciro, Mensalão e INSS
A queda de Carlos Lupi não é um erro do governo. É a repetição milimétrica de um roteiro que vem desestabilizando o Brasil há 20 anos: escândalos fabricados, guerra psicológica, manipulação midiática e lawfare como armas de uma guerra invisível contra qua

A recente crise do INSS, envolvendo fraudes bilionárias e a consequente saída de Lupi do Ministério da Previdência, segue esse padrão: o caso foi transformado em espetáculo. Operação da PF, manchetes genéricas culpando o governo e pressão por CPIs, omitindo que boa parte das fraudes teve origem na gestão de Bolsonaro. Mais grave ainda: que foi a própria gestão Lula que iniciou os processos internos para desmontar o esquema. Trata-se, portanto, de uma reativação de um mecanismo conhecido, uma engrenagem que transforma corrupção em ferramentas de guerra cognitiva e política.
Crises aparentemente espontâneas escondem uma estrutura organizada. Desde os Correios em 2005 até o INSS em 2025, vemos sempre o mesmo roteiro: denúncias vazadas seletivamente, cobertura massiva da imprensa, pressão política, judicialização e impactos eleitorais. Nada disso é por acaso. É um método de desestabilização sofisticado, com efeitos psicológicos que minam a crença no Estado e naturalizam a ideia de que todo projeto progressista será, inevitavelmente, destruído. Esse processo condiciona o comportamento político coletivo, fragiliza a democracia e pavimenta o caminho para alternativas autoritárias e ultraliberais.
A grande imprensa brasileira não apenas cobre crises, ela participa ativamente de sua construção. Ao repetir escândalos como se fossem descobertas inéditas, associando símbolos de corrupção a governos progressistas sem investigar as origens, a mídia atua como braço operacional da guerra híbrida. Na crise do INSS, veículos como Globo, Folha e Estadão silenciaram sobre as origens estruturais das fraudes. Enquanto isso, canais da extrema direita como Jovem Pan e Revista Oeste operaram diretamente na desinformação, sugerindo conivência e aparelhamento. A mídia progressista tentou contextualizar, mas foi abafada pelo bombardeio simbólico da imprensa comercial. Mais do que informar, a mídia hoje modula emoções. O jornalismo factual virou narrativa emocional. E a crise virou meme, clipe, tweet e pânico moral.
E o Ciro, hein? - A crise do INSS poderá resultar não apenas na saída de um ministro. Pode ser também o gatilho para a reentrada estratégica de uma velha figura conhecida da política brasileira: Ciro Gomes, agora reposicionado como fiador moral da república em ruínas. A operação é sofisticada e já testada: transforma-se um escândalo estrutural, herdado de gestões anteriores, em episódio de incompetência atual, para então oferecer um rosto “razoável” como alternativa ao caos. Esse rosto já foi o de Sergio Moro. Agora, reaparece com sotaque cearense e biografia reciclada.
Assim como Moro foi construído como herói anticorrupção pela grande mídia e depois adotado por setores da esquerda desavisada que confundiram lavajatismo com justiça, Ciro Gomes foi o Sérgio Moro do jornalismo progressista. Por anos, colunistas de esquerda alimentaram sua retórica arrogante, fingindo que seu ódio a Lula era uma “crítica construtiva” e não parte ativa do projeto de desestabilização nacional. A demissão de Lupi, nesse sentido, foi um banquete simbólico: oferecerá a Ciro o palco perfeito para encenar sua indignação seletiva e ensaiar mais um capítulo da cruzada que nunca foi contra a direita, mas contra o campo popular.
No recente artigo de Leonardo Attuch, ele detalha a complexa trama política que envolve a demissão de Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, e as tensões internas do partido que podem se desenrolar em torno da figura de Ciro Gomes. O que se vende como crítica institucional é, na verdade, instrumentalização da crise como método eleitoral. Nada disso interessa à lógica do espetáculo. O foco é outro: sugerir que o lulismo está corrompido por dentro e que o único caminho de regeneração passa por uma figura supostamente limpa, dura, indignada e coincidentemente em pré-campanha.
Ciro, nesse tabuleiro, não atua como oposição programática, mas como divisor funcional. Ele não proporá reconstrução, mas fragmentação. Sua retórica é a do ressentimento estratégico, que cola melhor em momentos de desgaste e opera como ruído útil. Não é surpresa que o Ceará, onde Lula venceu com larga vantagem, seja justamente o laboratório dessa ofensiva: ali, a tentativa de se apresentar como alternativa moral ao petismo teve implicações nacionais. E a demissão de Lupi foi apenas o pretexto.
Numa possível disputa eleitoral de 2026, Ciro Gomes tende a desempenhar um papel meramente decorativo e funcional à estratégia da extrema direita, atuando como um ventríloquo de seus interesses mais escusos. Sem apelo popular real, sem base eleitoral consistente e cada vez mais isolado politicamente, Ciro não representa uma alternativa viável de poder, mas sim um agente de desestabilização da frente ampla que busca reeleger Lula e preservar a democracia brasileira. Sua trajetória recente tem sido marcada por declarações erráticas, ressentimento político e um protagonismo forçado que o transforma mais em figura caricata do que em liderança relevante. Ao explorar a frustração do eleitorado desiludido com métodos antipetistas já superados, ele se coloca a serviço, consciente ou não, de uma direita radical que aposta na divisão e na confusão como instrumentos de poder.
Ou seja: mais um capítulo da guerra - É nesse ciclo que a guerra híbrida se refina: crises convertidas em farsa, indignações recicladas como estratégia, e personagens reabilitados sob a desculpa do “precisamos de alternativas”. O que está em jogo, mais do que um ministério, é a disputa simbólica sobre o que pode ou não ser projeto nacional. E se a mídia comercial tem seus operadores, a mídia progressista precisa refletir sobre os seus. Afinal, a guerra híbrida não se vence apenas combatendo a extrema direita, ela exige coragem para desmontar seus satélites disfarçados de crítica lúcida. O alvo não é apenas um ministro, mas a soberania nacional, a ideia de Estado e o futuro de um projeto popular. Identificar esse padrão é essencial. Porque a guerra segue, silenciosa e contínua. E ela não mira apenas o presente: mira o direito de sonhar com um país que seja de fato do povo, e não dos algoritmos, dos editoriais, dos fundos internacionais ou de quem quer que Ciro deixe entrar.
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