Asilo à ex-primeira-dama do Peru é usado para reativar caso Lava-Jato

Desde que a ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, entrou no país a bordo de um avião da FAB, às 11h40 do dia 16 de abril, acompanhada do seu filho, um adolescente de 15 anos, depois de pedir asilo na embaixada do Brasil, sua presença tem sido questionada pela mídia tradicional. Repórteres e comentaristas tentam estabelecer um paralelo entre o que se passou aqui, no país, em 2014, no âmbito do processo que ficou conhecido como “Lava-Jato”, e o braço peruano que investigou e processou a empresa Odebrecht –, a mesma apontada de estabelecer um sistema para apoiar políticos e campanhas, no Brasil -, levando a uma contaminação do cenário político brasileiro.
Como restou provado, o juiz Sergio Moro agiu movido por ambição política – iria se colocar para o cargo de ministro da Justiça, visando mais tarde uma vaga no STF -, e com isto regeu procuradores, bancas de advogados, evidenciando trocas de estratégias entre acusação e Juiz, apontando testemunhas a serem ouvidas e desfechando uma perseguição deliberada contra o, àquela altura, ex-presidente Lula, a fim de tirá-lo da corrida presidencial (em que era apontado como franco favorito), de 2018.
Eleito o opositor, Jair Bolsonaro (PL), para quem Sergio Moro torcia desavergonhadamente, o juiz foi alçado ao sonhado cargo de ministro da Justiça, deixando a nu sua parcialidade, reforçada pelas denúncias do advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin, e do vazamento de conversas entre a “gangue jurídica” de Curitiba, demonstradas na “Operação Spoofing”. Pela divulgação das conversas capturadas pelo hacker de Araraquara, Walter Delgatti, originadas dessa operação, ficou-se sabendo como funcionava o “esquema” montado por Sergio Moro, para prender e desmoralizar Luiz Inácio Lula da Silva. Além de o STF ter considerado imprópria a tramitação dos processos em Curitiba, quando a jurisdição para isso deveria ter sido Brasília.
Aqui, como todos sabemos, o Supremo Tribunal Federal considerou nulo o processo tocado pela 13ª Vara de Curitiba, sob a batuta do juiz Sergio Moro, levando a um arquivamento em série de todos os casos julgados por esse sistema contaminado, coordenado pelo juiz, julgado “parcial”, no STF.
No Peru, ainda não há essa percepção de artificialidade e do caráter de “lawfare” de todo o processo do qual foram alvo o presidente Ollanta Humala e a ex-primeira-dama Nadine Heredia, ambos condenados pela Justiça local a 15 anos de prisão, acusados de suposta lavagem de dinheiro recebido ilicitamente da Odebrecht, de acordo com as notícias locais. Humala foi preso e aguarda o desdobramento do caso em solo peruano. Heredia está no Brasil desde 16 de abril e seus planos são o de se recuperar de uma cirurgia para a retirada de um câncer, dando continuidade ao tratamento e se estabelecendo em São Paulo, juntamente com o seu filho.
De acordo com o ministro das Relações Exteriores do Peru, Elmer Schialer, em coletiva de imprensa no dia em que a ex-primeira-dama chegou ao Brasil (16/04), o Judiciário do seu país ainda pode pedir a extradição de Heredia, que foi condenada na véspera de sua partida. Mediante a iminência da prisão e dada a sua condição de saúde – além da questão do filho menor -, pediu asilo na embaixada do Brasil.
Na opinião do ministro, “se a Justiça peruana chega a confirmar a sentença, e o poder Judiciário sendo firme na atribuição que corresponde a ele, quer, deseja e consegue promover uma extradição da senhora Nadine Heredia, pode perfeitamente fazer isso”, explicou”.
Embora a Justiça do Peru tenha condenado e emitido mandado de prisão contra a ex-primeira-dama, o chanceler não considerou sua saída uma “evasão da Justiça”. Questionado sobre a suposta impunidade derivada do asilo quando havia um mandado de prisão contra Heredia, ele explicou: “o que fizemos foi cumprir com as obrigações do Peru, o que não significa ter subtraído a senhora Nadine Heredia da Justiça peruana”, defendeu, lembrando que seu país é signatário da Convenção sobre Asilo Diplomático assinada em Caracas em 1954.
Pois foi escorado nesta Convenção, da qual também o Brasil é signatário, que a diplomacia brasileira agiu. De acordo com o tratado, quando o Estado asilante pede a saída do asilado, os países são obrigados a conceder essa autorização e as garantias necessárias “imediatamente”. Foi assim que tão logo foi acionado pela ex-primeira-dama, solicitando asilo, o embaixador brasileiro no Peru, Clemente de Lima Baena Soares, foi pessoalmente ao gabinete do ministro com uma nota, visando garantir a sua saída sã e salva, do Peru e comunicar, através do documento, que Heredia e seu filho entraram na embaixada às 11h15 daquele dia (13h15 do Brasil), e solicitaram imediatamente asilo diplomático. Na nota exibida pelo embaixador, o Brasil pedia ao Peru que desse garantia para que deixassem o país, rumo ao Brasil, em segurança. Em seguida a Presidente peruana, Dina Boluarte, emitiu salvo-conduto para que ela pudesse sair da embaixada onde se abrigou e vir ao Brasil.
Para os advogados Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas e Leonardo Massud, também Professor de Direito Penal da PUC/SP, que assumiram a defesa de Nadine Heredia em nosso país, “Tanto lá quanto aqui, passou-se a questionar a concessão do asilo. Não se sabe se por má-fé ou por ignorância. Muitos continuam a noticiar que houve condenação por corrupção, equiparando o caso Humala aos dos demais ex-Presidentes peruanos. Tudo para dizer que, em se tratando de crime comum, não seria cabível a concessão do asilo. Outra confusão conveniente aos detratores da acolhida. A Convenção sobre Asilo (1954) estabelece que a medida se destina a “pessoas perseguidas por motivos ou crimes políticos”.
O acordo, de fato, exclui crimes comuns. Entretanto, o advogado diz ser possível quando “os fatos que deram origem ao pedido de asilo, seja qual for o caso, forem manifestamente de natureza política”.
Nesse sentido, ele ressalta: “vale lembrar que não há definição legal de crimes políticos, tampouco critérios objetivos para que sejam assim classificados. Mesmo porque seria inútil. Sempre houve, mundo afora, acusações de crimes comuns para encobrir perseguições políticas. O que confere natureza política a um crime não é sua tipificação legal, mas os fatos e contextos em que estão inseridos”.
E quais são os fatos?
Pela explicação jurídica da dupla de advogados, “a imputação é a de que Humala e sua esposa receberam, com o Partido Nacionalista Peruano, contribuições não oficiais para as campanhas eleitorais de 2006 e 2011, respectivamente, do Governo Chávez, da Venezuela, e da empresa Odebrecht. Eles sempre negaram ter recebido tais aportes. É importante destacar que, nessa época, contribuição irregular de campanha era apenas um ilícito administrativo no Peru. Só passaram a ser considerados como crime em 2019. Como não poderia imputar como criminosos fatos que a legislação assim não considerava, o Ministério Público peruano passou a, artificiosamente, imputar o crime de lavagem de dinheiro”, esclarecem.
Os defensores de Nadine Heredia veem “maquiagem acusatória” na situação. E justificam: “ela está evidenciada pelo fato de que, em nenhum momento, se procurou demonstrar que a origem das supostas doações de campanha era criminosa e, muito menos, provar que os acusados conhecessem a origem de tais recursos, elementos essenciais ao crime de lavagem”.
Explicam também, que “o fato de tais recursos, ainda que tivessem sido dados, terem vindo de maneira escondida, não torna automaticamente sua origem criminosa. Doações silenciosas sempre foram frequentes para despistar interesses geopolíticos, econômicos, financeiros e eleitorais, inclusive para não desagradar os adversários dos beneficiários, que também poderiam vencer os pleitos que estavam disputando”.
Outra falha que apontam é o fato de as acusações imputarem ao casal Humala e sua esposa o recebimento, juntamente com o Partido Nacionalista Peruano, de “contribuições não oficiais para as campanhas eleitorais de 2006 e 2011, respectivamente, do Governo Chávez, da Venezuela, e da empresa Odebrecht, embora eles sempre tenham negado ter recebido tais aportes”, afirmam os advogados.
Tanto Marco Aurélio quanto Leonardo Massud atribuem a origem do caso Humala/Nadine, “à criminalização da política tal como se fez aqui. Mas, mais do que isso, a Lava Jato peruana, que nasceu da “costela brasileira”, também tinha alvo certo. Aqui no Brasil já se sabia, o que se comprovou após a operação spoofing, que o objetivo da Força-Tarefa de Curitiba era derrubar o Partido dos Trabalhadores e prender Lula. Claro que a coisa foi ganhando dimensão maior e atingiu, colateralmente, outros partidos e políticos. No Peru, também foi assim. A homônima força-tarefa peruana tinha como alvo o Presidente Humala”, consideram.
Ao historiar o caso peruano, os defensores lembram que “a Lava Jato lá começou em 2015, durante o governo de Ollanta Humala. É bom lembrar que os promotores brasileiros e peruanos tiveram inúmeras tratativas com órgãos de governos estrangeiros, muitas de forma clandestina, ao mesmo tempo que a América do Sul assombrava o Norte colonizador com aspirações de autonomia e independência econômica e política”.
Os advogados chamam a atenção também, para a onda de governos de tendência de esquerda que dominava a cena na América do Sul, no período. “Nos vários anos que antecederam a operação, precisamente em 2015, a esquerda se encontrava no poder não apenas no Brasil e no Peru, mas também na Argentina, Uruguai, Equador, Bolívia e na Venezuela”. Com toda essa carga ideológica, o caso da extradição de Nadine Heredia ganhou, inevitavelmente, fortes contornos políticos.
Segundo a versão oficial, a operação teve início no dia 17 de março de 2014, com base na investigação de uma rede de doleiros que operava em um escritório anexo a um posto de gasolina. Afirma-se que a partir dessa 1ª Fase, houve a descoberta fortuita da relação de um desses doleiros com agentes públicos ligados à Petrobras.
Para Marco Aurélio Carvalho, “atualmente, sabe-se que esta descoberta não pode ser chamada de fortuita, sendo ação direcionada para o encontro de provas que permitisse a Justiça Federal do Paraná de atingir a Petrobras, com sede no Rio de Janeiro. Demonstração disso é que, apenas 3 dias depois, em 20 de março de 2014, foi preso Paulo Roberto Costa (ex-Diretor de Abastecimento da Petrobras)”.
Para o embaixador brasileiro, e ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, no entanto, pesou o aspecto humanitário, em primeiro lugar. Ele disse à mídia que o governo optou por conceder o asilo humanitário à ex-primeira-dama peruana Nadine Heredia por razões humanitárias, e explicou que ela havia sido operada recentemente e estava em recuperação. Vieira também disse que a decisão foi tomada e só depois informada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Grupo Prerrogativas refirmou o caráter humanitário desse asilo e comemorou a agilidade do governo peruano em dar o salvo-conduto para que Nadine Heredia chegasse em segurança ao Brasil.
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